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Pluralismo Jornalístico e Deficiência: Horizontes Epistêmicos para a Diversificação de Fontes

Tempo estimado de leitura: 4 min

Resumo #

A inclusão de pessoas com deficiência no jornalismo não deve se limitar à sua representação simbólica, mas assegurar sua presença como fontes ativas de conhecimento, vivência e protagonismo. Este artigo examina a sub-representação e os enquadramentos capacitistas que marcam a cobertura midiática sobre pessoas com deficiência no Brasil, com base em estudos dos últimos anos. A partir de referências institucionais, como a AJOR e a ANDI, e experiências de jornalismo inclusivo, propõe-se um conjunto de horizontes metodológicos para diversificar as fontes jornalísticas. O texto enfatiza o papel estratégico da acessibilidade digital como pilar estruturante para a inclusão comunicacional e destaca práticas colaborativas e formativas como caminhos possíveis para um jornalismo mais democrático e plural.

Introdução #

No jornalismo contemporâneo, a diversidade das fontes não é apenas um imperativo ético, mas um critério fundamental de qualidade e legitimidade democrática. Contudo, a pessoa com deficiência continua sendo sub-representada ou representada de forma estigmatizada. A Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável (ODS 10: Redução das Desigualdades)[1] e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006)[2] enfatizam a inclusão comunicacional como um direito fundamental.

Diagnóstico Atual da Representação de Pessoas com deficiência na Mídia #

Estudos de monitoramento da mídia nacional, como os promovidos pela ANDI – Comunicação e Direitos, em parceria com a Fundação Banco do Brasil e o Instituto Alana, revelam que menos de 2% das fontes ouvidas em reportagens nos principais veículos jornalísticos brasileiros se identificam como pessoas com deficiência. Além disso, 70% das matérias analisadas mencionam a deficiência apenas de forma acessória e sem escuta qualificada da pessoa retratada[3]. Quando presentes, as pessoas com deficiência são frequentemente enquadradas em narrativas de superação ou dependência, sem ênfase em sua cidadania ativa, conhecimentos técnicos ou direitos sociais.

Tipos de Invisibilidade

  • Invisibilidade Quantitativa: escassez de pessoas com deficiência como fontes.
  • Invisibilidade Qualitativa: redução da pessoa com deficiência a categorias estigmatizantes.

Marcos Legais e Normativos #

  • Lei Brasileira de Inclusão (LBI, Lei nº 13.146/2015)[4]: Art. 8º e 17 preveem o direito à comunicação acessível e representativa.
  • Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006)[2]: reconhece o direito das pessoas com deficiência de expressar opinião e acesso equitativo à informação.

Práticas Jornalísticas Excludentes #

Apesar de avanços normativos, o ecossistema de produção jornalística ainda apresenta barreiras estruturais e simbólicas à participação plena de pessoas com deficiência. Modelos produtivos hegemônicos privilegiam fontes institucionais, técnicas e já reconhecidas, ignorando a legitimidade das pessoas com deficiência como profissionais e especialistas ou fontes qualificadas de vivência. Além disso, pesquisas como a da AJOR (2023) indicam que muitas redações ainda não adotam padrões mínimos de acessibilidade digital em seus portais, dificultando tanto o acesso à informação quanto a inserção de profissionais com deficiência no mercado de trabalho jornalístico[5]. Isso revela um jornalismo que ainda se constrói sob a lógica do capacitismo e da invisibilização.

Propostas Metodológicas para Diversificação #

Cartografia de Fontes Inclusiva

Construção de bancos de fontes com participação ativa de movimentos sociais, entidades representativas (como o CONADE), coletivos de jornalistas com deficiência, pesquisadores e redes comunitárias.

Novos Horizontes: Jornalismo Colaborativo

Modelos que envolvam pessoas com deficiência na co-produção do conteúdo jornalístico. Ex: iniciativas como a Agência Mural[6] e o site Jornalista Inclusivo[7], fundado por profissionais com deficiência, produzem conteúdos sob perspectiva do protagonismo, rompendo com a lógica capacitista da representação assistencialista.

Acessibilidade Comunicacional

Adequação de conteúdos e plataformas para diferentes tipos de deficiência: uso de Libras, audiodescrição, legendas, leitura fácil. O artigo da Associação de Jornalismo Digital (AJOR, 2023) destaca recomendações fundamentais para tornar o jornalismo digital acessível: uso de leitores de tela compatíveis, textos alternativos em imagens, contraste de cores adequado, linguagem simples e opções de navegação por teclado. A publicação também recomenda que jornalistas consultem pessoas com deficiência durante a produção e testem a acessibilidade de conteúdos antes da publicação[5]. Tais medidas não apenas asseguram o direito à informação, como ampliam a audiência e fortalecem o compromisso ético com a diversidade e inclusão.

Formação e Sensibilização Profissional

Inclusão de disciplinas sobre acessibilidade e diversidade nos currículos de comunicação. Parcerias com instituições como o Instituto Rodrigo Mendes[8] e o Movimento Web para Todos[9] potencializam formações contínuas.

Estudos de Caso #

BBC e a Meta de Diversidade

A BBC britânica estabeleceu metas claras de inclusão de pessoas com deficiência em seus quadros e como fontes. Em 2022, o relatório interno apontou aumento de 50% na presença de pessoas com deficiência como fontes em noticiários, resultado de políticas de cotas e treinamentos internos sobre linguagem inclusiva[10].

Projeto ‘Jornalismo Acessível’ (Unicap/Marco Zero Conteúdo)

Realizado em 2022 em Recife, o projeto Jornalismo Acessível foi uma iniciativa conjunta da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e da Marco Zero Conteúdo, com o apoio da Diadorim e outras organizações de jornalismo do Nordeste. O projeto visa tornar o conteúdo jornalístico mais acessível para pessoas com deficiência visual, através do desenvolvimento de ferramentas tecnológicas e da promoção de oficinas de educação midiática[11].

Conclusão #

Diversificar as fontes jornalísticas é um passo essencial para a democratização da comunicação e para a efetiva inclusão das pessoas com deficiência no debate público. A acessibilidade digital, como demonstrado pela AJOR (2023), deve ser tratada como elemento estruturante da produção jornalística e não como um recurso adicional.

Referências #

  1. https://sdgs.un.org/goals/goal10 Agenda 2030 da ONU, ODS 10: Redução das Desigualdades.
  2. https://www.un.org/development/desa/disabilities/convention-on-the-rights-of-persons-with-disabilities.html Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. ONU, 2006.
  3. https://andi.org.br/ ANDI – Comunicação e Direitos. Notas Analíticas: Diversidade na Mídia – Pessoas com Deficiência. 2021.
  4. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L13146.htm BRASIL. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015).
  5. https://ajor.org.br/como-tornar-o-jornalismo-digital-acessivel-para-pessoas-com-deficiencia/ AJOR. Como tornar o jornalismo digital acessível para pessoas com deficiência. 2023.
  6. https://agenciamural.org.br Agência Mural.
  7. https://jornalistainclusivo.com Jornalista Inclusivo.
  8. https://www.institutorodrigomendes.org.br Instituto Rodrigo Mendes.
  9. https://mwpt.com.br Movimento Web para Todos.
  10. https://www.bbc.com BBC. 50% more disabled voices on air. 2022.
  11. https://marcozero.org/acessibilidade-jornalistica-um-problema-que-ninguem-ve/ Marco Zero Conteúdo. Projeto “Acessibilidade jornalística – um problema que ninguém vê”. 2022. | ResearchGate.net